O "seu" Valentim


                  Todo bairro pequeno ou toda rua, tem um personagem quase invisivel, que ninguém repara, que ninguém se detém muito tempo para conversar, mas que faz parte da rotina do lugar. Ninguém sabe muito a respeito de sua vida, mas todos o conhecem.
                   Na minha rua também tem um personagem assim.
                   Seu Valentim é super conhecido no bairro, mas o estranho, é que ninguém presta muita atenção nele. Ninguém para pra conversar, mas quase todo mundo o cumprimenta. Todos sabem onde ele mora, que ele tem uma cachorra preta, que sempre joga no bicho, que à noite está no bar do Chico lavando a louça para pagar o almoço e a janta do dia, com direito a levar algumas sobras para sua cachorra, companheira fiel e tratada por ele com o maior carinho.
                    É aquele senhor, que mora num quartinho no terraço daquele prédio de tres andares, cedido em troca da recolha do lixo do prédio todos os dias e da limpeza das escadas do pequeno edificio. Não sei como aguenta andar e trabalhar com aquele curativo improvisado há tanto tempo, bem na perna, próximo do tornozelo. Sua teimosia maior que sua dor, o impediu todo esse tempo de procurar um médico e fazer uma cirurgia naquela variz aberta, que ele estancava o sangramento com borra de café e pano, enrolados por um saco plástico. Que teimosia!!!
                  Pois é, no dia de ontem seu Valentim não passou muito bem. Como mora sozinho, fica um pouco dificil saber se está com algum problema. Aquela variz aberta começou a sangrar mais que de costume e não havia maneira de estancar o sangramento. Até que seu Valentim chamasse por alguém, que esta pessoa chamasse o SAMU, que o SAMU chegasse (aliás não chegou), que se tomasse a decisão de chamar o resgate do Corpo de Bombeiros, já que o SAMU não veio mesmo, o seu Valentim sangrou até morrer.
                      Hoje soubemos que ele chegou morto ao hospital, mas ontem quando saiu daqui da rua ainda tinha um fio de vida (eu mesmo acompanhei o resgate). O médico disse, que se ele tivesse chegado uns quarenta minutos antes, teriam salvo sua vida.
                           Não sei o que é mais lamentável, a teimosia do seu Valentim, ou a demora de mais de uma hora esperando o SAMU, que diga-se de passagem não chegou.
                          Ninguém pode dizer, que era muito amigo do seu Valentim, mas a rua está meio vazia hoje. Todos estávamos preocupados em procurar alguem da família dele, como ia ficar a cachorra (velha companhia) e ninguém entendia, como seu Valentim deu essa bobeira, de não ter feito uma cirurgia tão simples, que poderia ter salvo sua vida, nem como um pequeno descompasso entre o relógio e o tempo para socorro, poderiam dar num resultado tão funesto.
                                Descanse em paz, seu Valentim. A gente não havia percebido antes, mas o senhor fazia parte do nosso dia a dia.

Abs,          

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